Foram precisos 2 anos para chegar aqui.
A um lugar cheio de lugares, onde, tal como as crianças, sou impelida a mexer em tudo; onde tenho medo que cheguem os grandes, a ralhar-me com um "isso não se faz!"; onde de imediato, mas só no fim de mexer em tudo e olhar atentamente os pormenores, agarro uma folha de uma mesa, um lápis de uma caixa (como se estivessem ali este tempo todo, à espera que eu chegasse) e começo a escrever, a descalçar este lugar cheio de gentes deambulantes, que sem jamais me terem visto, me oferecem sorrisos sinceros. Tão sinceros, tão meigos, tão bonitos.
Quero tirar os sapatos. Aliás, mesmo antes de entrar aqui, já os queria tirar, ora porque os meus pés estão neles frios o dia inteiro, ora porque sinto que me pedem liberdade.
Devolvo-lhes esse bem estar.
Ainda não parti e já me apetece voltar.
Como pude viver 2 anos sem conhecer este lugar?
Paro de escrever e ponho-me a abrir mesas e gavetas; tiro postais e cartões, guardo-os na mão, para que os grandes, se vierem, não pensem que estou a roubar.
Vou arrancando um pedaço de cera que há na madeira em que escrevo; esta cadeira pequenina atrás de mim, pendurada na parede, esta bicicleta com um tampo de vidro, este quadro de ardósia preta, cheio de palavras brancas de giz.
Estou descalça, e penduro-te nesta mola amarela em forma de pé...
descalço.
(Descalças é uma Cooperativa Cultural que actua no âmbito da criação artística, da produção, divulgação e formação culturais, principalmente nas áreas musical e teatral, tendo como principal missão cooperar para o desenvolvimento e intervir social e solidariamente. Saiba mais em: http://www.descalcas.blogspot.com).
1 comentário:
Acho que nunca te tinha dito como acho bonito este texto! na parede de qualquer lugar pendurado.
obrigada pelos olhos que abriste, pelas mãos que mexeram, pelas letras que te sairam da sopa.
beijinho
maria
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