não vos venho falar da Acrópole, de Ágora, Sintagma, Kolonaki, Victória, nem de Monastiraki, da Rua Ermou ou do Teatro de Herodes Attikus.
não vos venho escrever sobre Rebetiko, Cariátides, Zappio, Plaka, Areopagus, nem sobre o Temple of Olympian Zeus, nem da Estação de Comboios de Omonia (a minha favorita), nem da Manifestação dos Estudantes, por um ensino publico gratuito.
não vou falar do Estádio Olímpico, nem de Savina Yannatou, kanonaki ou buzukias.
muito menos falar-vos da igreja Kapnikarea, na Rua Mitropoleos, "vendida" nos panfletos turísticos como ''A igreja debaixo de umas arcadas". Acontece que na urgência de uma Atenas em expansão, onde dos 10 milhões de habitantes de toda a Grécia, 4 milhões se engalfinharam na Capital, alguém decidiu construir um prédio enorme com arcadas POR CIMA da dita igreja...
E é assim que um tão grande desordenamento urbano, ao invés de provocar a ira, gere um ponto de interesse turístico!!
Assim que não vos venho falar de nenhum destes lugares-comuns, mas sim de um lugar, talvez comum em muitos lugares existentes por esse mundo fora: O RESTAURANTE KLIMÁTARIA.
UMA CASA sem explicação. Só vista!
lamparinas de petróleo a iluminar as mesas. mesas pequenas de madeira. cadeiras com acento de corda entrançada e para que o rabo não sofra muito, algumas têm umas almofadas velhas e sujas em cima, mas feitas de arraiolos!!! Outras têm uns tapetes, outras uns pedaços de napa, outras naperons,...
a iluminar a sala, além das lamparinas a petróleo e de uns candeeiros pendurados na parede, tipo altar, há duas velas de cera à minha altura. Literalmente à minha altura!
há ainda uma lareira acesa e nas paredes... enfim... como escrever... tudo e mais alguma coisa que possam imaginar que o homem tenha acumulado vida FORA, mas que tenham ficado ali DENTRO daquele lugar!!
gaiolas, panos, raquetes, espanta-espíritos, detergentes, camelos de plásticos, cassetes, ... e ali ao canto, um amontoado do que qualquer pessoa chama LIXO, bordel, o degredo, sei lá! há tanta, tanta tralha, que o amontoado faz continuação com as belezas penduradas nas paredes!
malas, cobertores, aparelhagens, tapetes farfalhudos, guitarras partidas, roupa, roupa, roupa, candeeiros, bonecos de peluche, bonecos de plástico, roupa, roupa, roupa,... bancos,...
e depois disto tudo, provavelmente nenhum de vós jantaria num LUGAR tão comum quanto este!! A NÃO SER, que eu faça dele um ponto de interesse turístico, como os construtores do edifício das arcadas, fizeram com a igreja...
A imagem disto é mais ou menos a mesma de quando fui a casa de umas primas, e a avó delas tinha tanta, tanta, tanta, mas tanta roupa amontoada na estreita entrada de casa, que quando o telefone tocava, ouvia-se um som muito ao longe, ou nem se ouvia, ou não se sabia onde estava o telefone.... e claro, estava debaixo do monte de roupa...
assim que a entrada deste 'Restaurante' é exactamente assim, estreita e com um monte de roupa, de bonecos, cassetes, telefonias, .... talvez com a diferença que não vi nenhum telefone. Mas não sei se estará lá debaixo!!
Aqui também não faltam teias de aranha! Qualquer pessoa já teria, inclusive pensado nisto. Nisto e em todos os animais amiguinhos destes ''places'', tipo ratazanas, baratas, pulgas, caraças e daí pra baixo!!
E acreditam que o Restaurante está cheio?!
Pergunto-me se existirão mais lugares como este, por esse mundo-comum fora?
O jantar: beringela laminada e frita, muito boa! Salsichas, tipo Alemãs, com tomate e oregãos. Boas, boas! Queijo feta, frito e um psomi (pão) fantástico!
Há gatos em cima das mesas e as pessoas a jantar! E um deles a espirrar-se todo! Onde é que eu já vi isto?!
Entretanto reparo nas mãos do dono do ''Restaurante'' (que é quem serve às mesas)... Elas não estão sujas, estão... negras, IMUNDAS, sei lá, encardidas do tempo!
será que a comida sabe melhor por causa disso?!
Chama-se Makis, tem 70 anos e tá sempre a dizer asneiras, como ''Gamôto''.
Vem à mesa ao lado da minha e vejo-o espremer um limão, com as mãos encardidas do tempo, para cima duma salada!
Quando o Iannis lhe disse que eu sou Portuguesa, começou logo a dizer Ah, Amália Rodrigues, Amália Rodrigues, Piaf and Muskuri, ena!! (ena, significa Um).
E disse ainda que a voz da Amália não vai voltar existir, não vai voltar a aparecer voz como a dela. Portugal teve bons cantores, mas como ela não há. Aliás, a voz dela não é de Portugal.. é do Mundo!
E lembro-me daquela música Todos nós temos Amália na voz/E temos na sua voz/A voz de todos nós!
Depois falou também da sua Teoria acerca das Relações Humanas. Disse que quando conhecia uma mulher, primeiro ia para cama com ela e só depois falavam de coisas da vida, música, arte, religiões, o que fosse. Porque de outra forma, o coração estava sempre acima da razão, ou a vontade do corpo acima do pensamento e não se estava totalmente livre para conhecer totalmente a outra pessoa. Assim, que satisfeitos os impulsos, podiam então conhecer-se!!...
Os gatos continuam a saltar de mesa em mesa e a lamber os pratos, agora só com restos.
Eu comi tanto, e tantos fritos, que fiquei mal disposta. A ponto de ter que pedir uma água das pedras. E não é que o Makis abriu a garrafa à minha frente?? Sabem como sou com estas coisas dos ''mínimos'', e ''não se traz uma bebida ao cliente já no copo''!
Enquanto saboreio este carinho na minha alma, penso que cada tralha em meu redor tem uma história, um porquê de estar ali, um passado útil.
Reparo ainda num quadro na parede assinado pelo Makis que diz A música é uma espécie de amor, um carinho nas nossas almas, e o artista respira através dos aplausos.
E de aplausos respira também Marta, uma rapariga na mesa ao lado, que canta na sua voz bonita, enquanto os amigos tocam.
To logariasmo: 20 evro!