As nossas fotos de viagem podiam ter sido eu na Acrópole, eu no Red Light District, eu no Wawel e eu em todos esses lugares-comuns.
Mas foram restaurantes cheios de malas, cobertores, aparelhagens, tapetes farfalhudos, guitarras partidas, candeeiros, telefonias, bonecos de peluche, bonecos de plástico, bancos, gaiolas, panos, raquetes, espanta-espíritos, detergentes, camelos de plástico, k7s, almofadas, naperons e tralhas várias.
As nossas fotos de viagem podiam ter sido tu no barco, tu no avião, tu nos jardins, tu nas bicicletas.
Mas foram homens de mãos sujas, negras, IMUNDAS, encardidas pelo tempo. Foram gatos em cima das mesas, enquanto pessoas a jantar. Foram teias de aranha, ratazanas de estimação, baratas, pulgas, caraças e daí pra baixo! Foram iraquianos escada acima escada abaixo à procura de lugar para nós.
Foram canelonni com sabor a canela. Foram dentes de crianças a puxar bifes de vacas. Foi um desconhecido de 40 anos e 2 metros a levar-me para casa. Fui eu a apalpar as mamas de uma gaja, que pensei ser um gajo mascarado de gaja. Foram os nossos vizinhos na casa sem paredes, acasalados um no outro. Foram velhas de ossos desconjuntados. E fui eu a escrever isto às 3 da manhã. A escrever e a flatular-me toda como se não houvesse amanhã.
As nossas fotos de viagem sou eu a inventar um novo emprego: andar pelo mundo de caderninho na mão, a escrever sobre terras assim.
Exmos. Senhores,
Na sequência do vosso anúncio, venho por este meio enviar a minha candidatura a funções de Escritora. Escritora dos Povos. Do mundo. Dos lugares. Dos cheiros. Das músicas. Dos espaços. Das comidas. Das línguas. Possuo como experiencia profissional 6 meses na Grécia, 3 semanas na Polónia, 5 dias na Holanda, e aterragens em Londres, Bruxelas e Madrid.
Mais do que motivada, sinto-me inteiramente apta a desempenhar as tarefas que a função exige, de um modo atento e imparcial.
Sem mais, agradeço a atenção e aguardo uma resposta da vossa parte.
Com os melhores cumprimentos,
Carla Veríssimo
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