Carla, tenho uma notícia triste. O Tó faleceu.
Esta frase lateja na minha cabeça. Custa-me acreditar. Não aceito.
É verdade..., ouço ainda do outro lado.
...
E ouço também a voz dele a chamar o nome dela; relembro a sua cara, os olhos, os gestos, o andar...
Tinha uns olhos bonitos. Pareciam sorrir.
Lembro-me do cigarro entre os dedos, do espaço de trabalho, daquela noite com os amigos; e da voz, novamente da voz...
E do sorriso. (Nos olhos)
Aquela vida. Aquela energia, a felicidade, os projectos...
Pergunto-me onde está a aliança que ele usava no dedo? O que irá ela fazer às roupas dele, aos objectos... às bancas de trabalhos?
Relembro a conversa que tivemos enquanto ele retocava uma prótese. Usava uns instrumentos cortantes e tão minúsculos, e como agarrava o dente com os dedos, perguntei-lhe: Não te costumas cortar?
Respondeu-me ''às vezes''.
Entretanto fui ajudá-la no jantar e quando ele entrou na cozinha, disse-me ''olha, tavas a perguntar se nunca me cortava, e assim que saíste cortei-me!!''.
Ri-me.
Recordo o seu entusiasmo ao explicar-me as mudanças que iam fazer na sala de estar.
Revivo aquela manhã em que desci as escadas para me despedir dele...
Entrei para o carro dela e ele ficou no pátio a pedir ao cão que se calasse.
Estamos a tentar gerir a nossa vida, de forma a que o Tó se orgulhe de nós, diz-me ela, passadas duas semanas.
Fico novamente pensativa...
Penso nos filhos deles, no que poderão sentir; nela...
nos projectos que ficaram para trás; no futuro que poderiam construir...
Ainda não consigo acreditar que escrevo este texto para ele...
NÃO! Para o Tó, não!
Por outro lado, sinto-o vivo, quando o faço.
Que assim seja, então!
Que vivas em cada letra destas palavras. ETERNAMENTE.
(Mais tarde vim a saber, que as roupas continuam no armário, como se ele tivesse ido, simplesmente, viajar...
Que não viu como ficou bonita a sala de estar, no fim das mudanças...
Que decidiu dar o cão a alguém que o levasse a caçar...)
Nunca imaginei que aquele olhar do lado de fora da janela do carro, fosse o último que lhe via... que me tinha literalmente despedido dele... para sempre...
...
Sinto os dias como mensagens, mas a da morte é tão escura como a noite... por isso não a consigo ler...
Tudo se evaporou como o fumo de um cigarro...